Desde 1º de janeiro, o escritório brasileiro do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) é comandado por um italiano: Davide Torzilli, que neste pouco tempo já se reuniu com autoridades federais, estaduais e municipais e estabeleceu como prioridade o auxílio a indígenas.
Com mais de 26 anos de experiência no Acnur e passagens por Ruanda, Sudão do Sul, Suíça e Estados Unidos, Torzilli viu o início de sua nova missão coincidir com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que promete uma postura mais aberta que a de Jair Bolsonaro ao multilateralismo e à ONU.
"Não quero fazer comparações porque, como Nações Unidas, trabalhamos com todos os governos. Aquilo que pude experimentar em primeira mão foi uma abertura incrível e uma afinidade de visões sobre a resposta não apenas humanitária, mas também uma visão de longo prazo sobre a necessidade de integrar de verdade os refugiados na sociedade", diz Torzilli em entrevista à ANSA no escritório do Acnur em São Paulo.
O representante da agência já se reuniu com os ministros da Justiça, Flávio Dino, dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, e ouviu a promessa da criação de uma política nacional para refugiados, migrantes e apátridas.
O Brasil abriga atualmente cerca de 65 mil refugiados, mas, considerando solicitantes de refúgio e pessoas cobertas por outros mecanismos de proteção, o total chega a quase meio milhão de indivíduos. "É um número que, infelizmente, continuará aumentando. Estamos vendo nos últimos meses um incremento das chegadas de venezuelanos em Roraima, com uma média de 500 pessoas ao dia", afirma Torzilli. A esta cifra, acrescenta-se uma média de 250 refugiados e migrantes forçados de outras nacionalidades desembarcando por dia no Brasil.
O Acnur ainda não sabe se o recrudescimento no fluxo de refugiados venezuelanos em Roraima é sazonal ou aponta uma tendência, mas, de qualquer maneira, a questão está ligada a um tema definido como prioritário por Torzilli: o atendimento a indígenas.
De acordo com o representante do Acnur, o Brasil acolhe hoje uma população de 8 mil indígenas venezuelanos que necessitam de políticas de integração adaptadas às suas características. Por conta disso, Torzilli vê como uma "grande oportunidade" a criação de um Ministério dos Povos Indígenas pelo governo Lula.
"A ministra Sonia [Guajajara] já expressou o interesse de trabalhar junto ao Alto Comissariado, o que pode levar a um progresso importante na integração. Estive em Goiânia e me encontrei com um grupo de waraos. A situação em que estão vivendo, do ponto de vista das condições higiênicas, do acesso de crianças à escola e da impossibilidade de encontrar emprego, é muito difícil", afirma.
Embora os yanomamis não entrem no mandato do Acnur, a agência também tem ajudado no enfrentamento à crise na maior terra indígena do Brasil, disponibilizando abrigos em Roraima para atender a essa população.
Torzilli ainda busca o apoio de seu país, a Itália, para ajudar a financiar um projeto de meio milhão de euros voltado à integração educacional de venezuelanos. "Parece que é uma possibilidade concreta", diz ele, que já se reuniu com o embaixador italiano em Brasília, Francesco Azzarello, e o cônsul-geral em São Paulo, Domenico Fornara.
"A Itália é um parceiro estratégico para o Acnur em nível global. No Brasil, já financiou o Alto Comissariado, em particular no início da crise de refugiados da Venezuela", ressalta. As reuniões com representantes italianos também abriram a possibilidade de conectar o Acnur a empresas do país europeu operantes no Brasil e que possam contribuir tanto com recursos financeiros quanto com vagas de emprego para refugiados.
"O acesso ao trabalho é fundamental", salienta Torzilli, acrescentando que o Brasil é "uma terra onde as possibilidades de integração são reais". (ANSA)
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