(ANSA) - A Corte de Cassação da França confirmou a decisão de instâncias menores e vetou a extradição para a Itália de 10 ex-terroristas de extrema esquerda, que atuaram durante os chamados "Anos Chumbo" entre 1970 e 1980.
No ano passado, em junho, a Câmara de Instrução da Corte de Apelação de Paris já havia dado a mesma decisão com a justificativa de que era preciso "respeito à vida privada e familiar e no respeito do julgamento em contumácia [quando o réu não está presente no processo]" com base nos artigos 8 e 6, respectivamente, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
No dia seguinte à decisão, em 30 de junho, o presidente da França, Emmanuel Macron, havia dito que "as pessoas envolvidas em crimes de sangue merecem ser julgadas na Itália".
Por consequência, o procurador-geral da Corte de Apelação de Paris, Rémy Heitz, representando o governo, entrou com um recurso na Cassação, mais alta instância judicial, considerando necessário apurar se os ex-terroristas condenados na Itália em contumácia teriam um novo processo se a França os entregasse.
Heitz ainda contestou a justificativa ser baseada em uma suposta violação da vida privada e familiar dos acusados.
"A Corte de Cassação rejeita os recursos apresentados pelo procurador-geral na Corte de Apelação de Paris [...], considerando que os motivos adotados pelos juízes são suficientes", diz a nota divulgada nesta terça, acrescentando que agora a medida é "definitiva".
Dos 10 ex-terroristas, quatro deles foram condenados à prisão perpétua na Itália por atentados cometidos entre 1970 e 1980: Roberta Cappelli, Marina Petrella, Sergio Tornaghi e Narciso Manenti. Os três primeiros pertenciam às Brigadas Vermelhas (BR), guerrilha comunista que sequestrou e executou o premiê Aldo Moro em 1978, enquanto o quarto é ex-integrante dos Núcleos Armadas do Contrapoder Territorial.
A lista ainda inclui Luigi Bergamin, ex-membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) e mandante do assassinato do marechal da polícia penitenciária Antonio Santoro, morto por Cesare Battisti e uma cúmplice em 6 de junho de 1978, em Údine.
Os outros que poderiam ser extraditados eram Raffaele Ventura, Giovanni Alimonti, Enzo Calvitti, Giorgio Pietrostefani e Maurizio Di Marzio.
A Itália pleiteava a entrega dos ex-terroristas pela França há muitos anos. Mas, desde os mandatos do presidente François Mitterrand (1981-1995), o país adotou uma política de dar abrigo a militantes de esquerda que participaram da luta armada nos Anos de Chumbo, desde que tenham renunciado à violência.
Reações
Após a decisão, o filho de uma das vítimas, Adriano Sabbadin, se revoltou com a decisão francesa.
"Eles são uns desgraçados porque não há justiça assim. É uma decisão esperada da França. Nos digam agora, então, quem são os culpados? Há mortos na consciência dessas pessoas", afirmou Sabbadin.
O italiano era filho de um açougueiro chamado Lino, que foi morto no Vêneto por membros do PAC.
Já um sobrevivente de um atentado das Brigadas Vermelhas no Vêneto, em 1980, Roberto Della Rocca, pediu ajuda do governo italiano.
"É uma vergonha que não tem fundamentação jurídica. Eu e minha associação fazemos um apelo ao ministro [da Justiça, Carlo] Nordio para que a justiça italiana intervenha. E peço à França: e se tivesse acontecido a mesma coisa ao contrário? E se fossem as vítimas do Bataclan?", questionou referindo-se ao ataque terrorista cometido pelo grupo Estado Islâmico em Paris em 2015.
"Vivi como procurador, em primeira pessoa, aqueles anos dramáticos e hoje meu primeiro pensamento comovido não pode mais do que ser voltado a todas as vítimas daquela sanguinária temporada e aos seus familiares, que esperaram por anos, junto com todo o país, uma resposta da justiça francesa", disse o ministro Nordio.
"Por isso, faço minhas as palavras de Mario Calabrese, filho de um comissário morto há 51 anos, na esperança que aqueles que não hesitaram em matar, agora 'sintam a necessidade de prestar contas com as próprias responsabilidades e tenha a coragem de contribuir com a verdade'", finalizou.
Por outro lado, o advogado Giovanni Ceola, que defende Bergamin, comemorou a decisão em entrevista à ANSA. "O que eles deviam fazer? Mandar para a Itália uma pessoa com 75 anos para reeducá-la? Uma pessoa que há 50 anos vive na França e que tem uma vida muito diferente agora. Analisamos positivamente essa decisão e esperamos por ela", acrescentou.
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