(ANSA) - O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, negou nesta quarta-feira (25) que tenha justificado atos terroristas do Hamas ao dizer que os ataques do grupo contra Israel não surgiram do nada.
"Estou chocado por como minhas afirmações de ontem foram interpretadas por alguns, como se eu estivesse justificando o terror do Hamas. Isso é falso", explicou o português.
"A dor do povo palestino não pode justificar os assustadores ataques do Hamas", disse Guterres, acrescentando que "é necessário esclarecer as coisas, sobretudo em respeito às vítimas e suas famílias".
A declaração de que os atentados do Hamas "não aconteceram em um vácuo" foi dada pelo secretário-geral em reunião do Conselho de Segurança na última terça-feira (24) e causou a ira de Israel, cujo embaixador na ONU, Gilad Erdan, cobrou a imediata renúncia do português e afirmou que o país não dará mais vistos para funcionários da organização.
No mesmo pronunciamento ao Conselho de Segurança, Guterres salientou que os atos "horrendos" do Hamas "não podem justificar a "punição coletiva do povo palestino", que é "submetido a uma ocupação sufocante há 56 anos".
Por outro lado, também condenou os atentados do grupo fundamentalista e pediu que os reféns sejam "tratados com humanidade e libertados imediatamente", além de dizer que as demandas dos palestinos não podem justificar atos terroristas.
Após a reação de Israel, diversos países saíram em defesa de Guterres. "A situação é muito tensa, mas não acho que esses pedidos de renúncia sejam adequados", disse o porta-voz do governo da Alemanha, Steffen Hebestreit, acrescentando que o secretário "tem a confiança" de Berlim.
O premiê da Espanha, Pedro Sánchez, adotou a mesma linha. "Quero expressar todo o meu afeto e todo o apoio do governo espanhol ao secretário-geral da ONU. Aquilo que ele está fazendo é levantar a voz de uma ampla maioria das sociedades do mundo, que querem uma pausa humanitária", declarou.
No entanto, mesmo após as explicações de Guterres, Israel manteve o tom crítico e acusou o português de "distorcer mais uma vez a realidade".
"Ontem ele disse claramente que o massacre e a loucura homicida do Hamas 'não ocorreram no vácuo'. Então, para ele, Israel é culpada das ações do Hamas", diz uma nota assinada pelo embaixador israelense na ONU, Gilad Erdan.
"Guterres mostrou compreensão e justificativa para o massacre. Um secretário que não entende que o assassinato de inocentes não pode ter qualquer justificativa ou 'contexto' não pode ser secretário-geral", acrescentou o diplomata.
Resoluções
O Conselho de Segurança da ONU votou e rejeitou nesta quarta-feira (25) dois projetos de resolução sobre o conflito entre Israel e Hamas.
O primeiro texto foi elaborado pelos Estados Unidos, mas Rússia e China vetaram justificando que não havia pedido de cessar-fogo.
Houve 10 votos a favor (Albânia, França, Equador, Gabão, Gana, Japão, Malta, Suíça, Reino Unido, EUA), três contra (Rússia, China, Emirados Árabes Unidos), e duas abstenções (Brasil, Moçambique).
Em seguida, uma resolução elaborada pela Rússia também foi rejeitada, com quatro votos a favor, nove abstenções e os vetos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
Na semana passada, os EUA também vetaram a resolução elaborada pelo Brasil, que contava com 12 votos, alegando que faltava menção ao direito de defesa israelense.
Turquia
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, causou indignação na comunidade internacional nesta quarta-feira (25) ao se posicionar contra Israel e defender o Hamas.
Ele declarou que os militantes do Hamas são pela libertação e que combatem por suas terras, e não terroristas.
"Cerca de metade dos mortos nos ataques israelenses em Gaza são crianças, esse dado demonstra que o objetivo é uma atrocidade para cometer crimes contra a humanidade premeditados", afirmou, durante um discurso.
"Não temos problemas com o Estado de Israel, mas nunca aprovamos as atrocidades cometidas por Israel e seu modo de agir, mais de uma organização que de um Estado", acrescentou.
Ele pediu um cessar-fogo imediato e que a passagem de Rafah, com o Egito, seja deixada aberta por motivos humanitários.
Erdogan também propôs um mecanismo de garantia para a resolução do problema, com uma reunião entre Palestina e Israel.
Além de Israel, Erdogan também criticou a ONU: "Ninguém considera uma estrutura que ignora o brutal assassinato de crianças. Estamos profundamente entristecidos pelo estado de impotência em que as Nações Unidas caíram".
"Peço a todos os países com mente e consciência que pressionem o governo de Netanyahu para que Israel tenha um pouco de bom senso", acrescentou.
Depois das declarações, Erdogan cancelou a visita que faria a Israel.
"Israel rejeita plenamente as palavras do presidente turco sobre o Hamas. Hamas é uma organização terrorista desprezível pior que o Estado Islâmico, que mata brutalmente e intencionalmente recém-nascidos, crianças, mulheres e idosos, toma reféns civis e usa a própria gente como escudos humanos", disse Lior Haiat, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel.
"A tentativa de defender a organização não mudarão os horrores que o mundo inteiro viu e o fato inequívoco. Hamas = Isis", escreveu, no Twitter.
A Itália também manifestou repúdio através do vice-premiê e chanceler, Antonio Tajani: "Uma coisa é certa: para a Itália, Hamas é uma organização terrorista". O outro vice-premiê, Matteo Salvini, sugeriu que o embaixador da Turquia na Itália seja convocado a dar explicações.
Cúpula do Hamas
O Hamas negocia com o Catar a libertação de reféns israelenses, mas está coordenando suas ações no Líbano com o Hezbollah e a Jihad Islâmica para manter a pressão sobre Israel.
O chamado "Eixo da Resistência" mostrou capacidade de coordenação em escala regional em uma reunião realizada em Beirute, no Líbano, a apenas 100 quilômetros ao norte de Israel, entre altos representantes dos aliados árabes da República Islâmica: o Hezbollah libanês, o Hamas e a Jihad Islâmica.
Nesta quarta (25), braços libaneses, iraquianos e iemenitas do Hezbollah reivindicaram uma série de ataques contra o exército israelense no sul do Líbano e contra alvos militares dos Estados Unidos lançados do Iraque e do Iêmen.
Ao mesmo tempo, o líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, que até então havia permanecido em silêncio, recebia numa fortaleza secreta o vice-líder do Hamas, Saleh Aruri, e o líder da Jihad Islâmica, Ziad Nakhale.
De acordo com a TV al Manar, do Hezbollah, os três líderes "analisaram os eventos recentes na Faixa de Gaza e os desenvolvimentos que se seguiram em todos os níveis, bem como os confrontos em andamento na fronteira libanesa com a Palestina ocupada", em referência a Israel.
Enquanto isso, o Catar, país do Golfo que há anos atua como mediador entre países ocidentais e seus rivais, como os talibãs e o próprio Irã, expressou otimismo em alcançar "em breve" um acordo para a libertação de um grande número de reféns israelenses.
"Há progressos nesse sentido", relatou Muhammad ben Abderrahman Al Thani, primeiro-ministro do Catar e ministro das Relações Exteriores do país rico em gás natural do Golfo. A posição de Doha recebeu elogios de Israel.
Pouco depois, o Ministério das Relações Exteriores do Catar advertiu, no entanto, que a temida "incursão terrestre israelense na Faixa de Gaza complicará os esforços para trazer os reféns de volta para casa".
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