Foi reaberto o conflito entre trincheiras adversárias no Reino Unido no front da batalha da população LGBT+ para a proteção das pessoas trans, e da oposta pela defesa da "diferenciação biológica de gênero" invocada paralelamente tanto por ambientes conservadores quanto por setores do movimento feminista.
A peça mais recente do escândalo pode ser representada pela entrada em vigor, na Escócia, de uma lei liberal local que mira evitar a instigação ao ódio contra as minorias sexuais, especialmente contra as pessoas transgênero.
Entre as primeiras opositoras da lei, insurgiu-se JK Rowling, escritora que tornou-se célebre por sua saga Harry Potter, e fervorosa defensora, em nome do feminismo, de uma linha biológica clara para distinguir homens e mulheres, alegando querer proteger a intimidade, a identidade e a segurança delas.
A nova norma, promovida pelo governo de Edimburgo liderado pelo premiê Humza Yousaf, líder do Partido Nacional Escocês (SNP), se limita a reforçar a legislação existente. Mas, para as vozes críticas, é potencialmente uma brincadeira capaz de pôr em risco a liberdade de expressão, sagrada no papel para a democracia britânica, honrando apenas o "politicamente correto".
Quem também surfou na onda da polêmica para fins políticos (e pré-eleitorais, tendo em vista as eleições deste ano) foi o governo central de Londres, através do primeiro-ministro conservador Rishi Sunak, que criticou publicamente a iniciativa escocesa, sem excluir a possibilidade de um eventual veto constitucional (já imposto com sucesso a uma lei anterior de Edimburgo sobre "gender free").
Para Sunak, ninguém deve ser perseguido pela "afirmação de fatos" certificados "pela biologia": "Neste país acreditamos na liberdade de expressão, e os conservadores a protegerão sempre", avisou, colocando-se na defesa de Rowling.
A autora - inglesa de nascimento, escocesa por escolha - não se eximiu de bater boca, reagindo ao lançamento da medida com uma série de mensagens nas redes sociais, chegando a afirmar estar pronta para ser presa por manifestar os próprios pensamentos.
A lei, em suas palavras, atribui "um valor mais alto às sensibilidades de homens que exigem suas próprias ideias de identidade feminina, muitas vezes de maneira misógina e oportunista, em relação aos direitos e às liberdades concretas de tantas meninas e mulheres", afirmou.
"A liberdade de expressão e de credo na Escócia está fadada a acabar se uma definição biológica precisa dos sexos for considerada crime", adicionou.
A "mãe" de Harry Potter virou alvo dos ativistas LGBT+ diversas vezes nos últimos anos por suas categóricas tomadas de posição, incluindo denúncias de ameaças ou intimidações, e foi renegada até por alguns protagonistas do mundo da cultura e do cinema, inclusive os dos filmes hollywoodianos sobre o bruxinho que nasceu de sua imaginação.
Ela também recordou alguns casos extremos do noticiário policial, como o de um estuprador preso temporariamente em um cárcere feminino na Escócia, tendo iniciado sua redesignação sexual apenas após a prisão. E reivindicou poder continuar indicando as mulheres transgênero como "homens biológicos".
Já o premiê Yousaf, primeiro líder de raízes muçulmanas da nação ao norte da Grã-Bretanha (os pais são imigrantes paquistaneses e a mulher tem origens palestinas), levantou a voz para defender a lei, se dizendo "muito orgulhoso" de uma reforma justificada pelo incremento de episódios de ódio e intolerância.
Reforma, para ele, alvo "da desinformação", mas que, na verdade, contém "garantias sobre a liberdade de expressão" que a polícia escocesa "saberá aplicar com o necessário discernimento".
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