O Vaticano criticou publicamente nesta quarta-feira (9) as recentes declarações do primaz da Igreja Ortodoxa Russa, Cirilo, que insinuou que movimentos LGBTQ+ são responsáveis pela invasão à Ucrânia.
"As palavras de Cirilo não favorecem e não promovem o entendimento. Pelo contrário, arriscam inflamar ainda mais os ânimos e de caminhar rumo a uma escalada", disse o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, à margem de um congresso em Roma.
De acordo com o "número 2" na hierarquia da Cúria, as declarações do líder ortodoxo não ajudam a "resolver a crise de maneira pacífica".
No último dia 6 de março, em um sermão pelo Domingo do Perdão, Cirilo se pronunciou pela primeira vez sobre a invasão russa à Ucrânia e mostrou alinhamento com o regime de Vladimir Putin.
De acordo com o patriarca de Moscou, as hostilidades foram deflagradas após "oito anos de tentativas de destruir o que existe em Donbass", região da Ucrânia que é dominada por separatistas pró-Rússia desde 2014.
Segundo Cirilo, existe em Donbass uma "recusa fundamental aos assim chamados valores que são oferecidos por quem reivindica o poder mundial". "Hoje existe uma espécie de passagem àquele mundo 'feliz', o mundo do consumo excessivo, o mundo da 'liberdade' visível. Sabem qual é esse teste? É muito simples e, ao mesmo tempo, terrível: é uma parada gay", declarou.
Em seguida, o patriarca acrescentou que a "civilização vai terminar quando concordar que o pecado é uma das opções para o comportamento humano". "Para entrar no clube daqueles países [do Ocidente], é necessário organizar uma parada gay. Trata-se de impor com a força um pecado condenado pela lei de Deus", salientou.
Ainda de acordo com Cirilo, o cenário atual das relações internacionais não tem apenas um significado político. "Trata-se da salvação humana, de onde vai terminar a humanidade. Entramos em uma luta que não tem um significado físico, mas metafísico", afirmou o patriarca, demonstrando solidariedade apenas às vítimas das regiões separatistas da Ucrânia.
"Hoje nossos irmãos em Donbass, os ortodoxos, estão sofrendo indubitavelmente, e nós precisamos estar com eles, sobretudo em oração. Devemos rezar para que a paz chegue o quanto antes, para que o Senhor incline sua misericórdia para a terra sofrida de Donbass, que carrega essa triste marca há oito anos, gerada pelo pecado e pelo ódio humanos", disse.
Divergências
As declarações de Cirilo e as críticas públicas do Vaticano chegam em meio às negociações para um novo encontro entre o papa Francisco e o patriarca de Moscou.
Os dois já se reuniram em fevereiro de 2016, em Cuba, e Jorge Bergoglio sempre deixou claro que deseja aumentar a união entre as diferentes confissões cristãs, especialmente entre católicos e ortodoxos, que seguem caminhos diferentes desde o "Grande Cisma" de 1054.
No entanto, essa tentativa de aproximação já havia ficado em xeque em 2019, quando o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu, assinou um decreto formalizando a independência da Igreja Ortodoxa da Ucrânia, que era subordinada ao Patriarcado de Moscou desde 1686.
A medida enfureceu a Igreja da Rússia, que rompeu seus laços com Constantinopla e iniciou um cisma no mundo ortodoxo. As igrejas ortodoxas nacionais são quase todas soberanas, e o patriarca ecumênico é considerado o "primeiro entre os iguais", uma espécie de guia espiritual da religião.
No entanto, Moscou considera "ilegítima" a autocefalia da Igreja da Ucrânia, que ocorreu em meio à disputa por Donbass. (ANSA)
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © Copyright ANSA