Em entrevista ao jornal espanhol ABC divulgada neste domingo (18), o papa Francisco revelou pela primeira vez que, no início de seu pontificado, entregou uma carta assinada ao então secretário de Estado do Vaticano na qual declara sua renúncia "em caso de impedimento por razões médicas".
"Já assinei minha demissão. Tarcísio Bertone era o secretário de Estado. Eu assinei e disse a ele: 'em caso de impedimento por motivos médicos ou algo assim, aqui está minha demissão. Você já a tem'", garantiu o Pontífice.
Francisco, no entanto, diz que não sabe "a quem o cardeal Bertone - que se aposentou - a deu, mas eu dei a ele quando ele era secretário de Estado", em 2013.
A declaração foi dada pelo argentino para responder uma pergunta sobre o que acontece se um Pontífice ficar inválido repentinamente devido a problemas de saúde ou acidente.
O religioso, que completou 86 anos no último sábado, reclama de fortes dores no joelho desde o início do ano e passou a contar com o auxílio de uma bengala e uma cadeira de rodas para se locomover. Ele, inclusive, já havia dito que deixaria o trono de Pedro caso algum problema de saúde o impedisse de exercer sua função.
Questionado se gostaria que este fato fosse conhecido, Jorge Bergoglio respondeu: "É por isso que vos estou a dizer".
Na sequência, ele comentou sobre o fato de que Paulo VI também teria deixado por escrito sua renúncia em caso de impedimento permanente "Exatamente, e acho que Pio XII também. É a primeira vez que digo", disse Francisco sobre a sua demissão assinada.
"Agora alguém vai pedir a Bertone: 'Dê-me o pedaço de papel!'", acrescentou ele sorrindo.
De acordo com o Pontífice, o então secretário deve ter repassado o documento ao seu sucessor, o cardeal Pietro Parolin.
Durante a entrevista dada ao editor Julián Quirós e ao correspondente no Vaticano, Javier Martínez-Brocal, o argentino aborda numerosos tópicos sobre os acontecimentos atuais na Igreja e no mundo, incluindo a guerra na Ucrânia, a qual o Pontífice diz não ver "um fim a curto prazo porque é uma guerra mundial", os casos de abusos na Igreja, o papel das mulheres na Cúria Romana, a renúncia de Bento XVI em 2013.
Guerra na Ucrânia -
Sobre a invasão russa à Ucrânia, o Papa garante que "o que está acontecendo é aterrorizante. Há uma enorme crueldade".
Além disso, ele afirma que não consegue ver"um fim a curto prazo", porque "trata-se de uma guerra mundial". "Não nos esqueçamos disso. Já há várias mãos envolvidas na guerra. É global. Penso que uma guerra é travada quando um império começa a se enfraquecer, e quando há armas para usar, vender e testar. Parece-me que há muitos interesses envolvidos", alertou.
O Pontífice é lembrado que já falou mais de 100 vezes contra a guerra e responde: "Eu faço o que posso. Eles não ouvem".
"O que está acontecendo na Ucrânia é aterrorizante. Há uma enorme crueldade. É muito sério. E isto é o que eu denuncio continuamente", acrescentou.
Abusos e mulheres -
Questionado sobre os escândalos de abusos na Igreja Católica, ele classificou como "monstruosos" e enfatizou que saber sobre os casos e encontrar as vítimas "é muito doloroso".
"Estas são pessoas que foram destruídas por aqueles que deveriam tê-las ajudado a amadurecer e crescer. Isto é muito difícil.
Mesmo que fosse apenas um caso, é monstruoso que a pessoa que deveria levá-la a Deus a destrua ao longo do caminho. E nenhuma negociação é possível sobre isso", ressaltou.
Já em relação ao papel das mulheres na Cúria Romana, Bergoglio garante que "haverá" uma maior abertura para elas. "Tenho em mente uma para um Dicastério que ficará vago dentro de dois anos. Não há obstáculo para uma mulher liderar um Dicastério onde um leigo possa ser prefeito. Se for um Dicastério de natureza sacramental, deve ser presidido por um sacerdote ou um bispo", esclarece o Papa.
Futuros Conclaves e Bento XVI -
Na conversa, o Santo Padre também tenta reduzir as polêmicas de que os trabalhos dos futuros Conclaves poderiam ser dificultados pela falta de conhecimento entre os cardeais que ele criou.
"É verdade, poderia haver problemas do ponto de vista humano, mas é o Espírito Santo que trabalha no Conclave", explica.
Francisco lembra ainda a proposta de um cardeal alemão nos encontros de agosto sobre a Praedicate Evangelium "que na eleição do novo Papa só participem os cardeais que vivem em Roma". "É esta a universalidade da Igreja?", questiona.
Por fim, o religioso fala sobre o papa emérito Bento XVI, "um santo" e "um homem de alta vida espiritual", revelando que ele o visita com frequência e sempre se sente "edificado" por seu olhar transparente.
"Ele tem um bom senso de humor, está lúcido, muito vivo, fala suavemente, mas segue a conversa. Admiro sua lucidez. Ele é um grande homem", concluiu.
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