"O caráter irascível de Javier Milei pode ser um fator que complica a relação entre Igreja e Estado. Em qualquer caso, a Igreja tentará promover o diálogo" e uma possível futura viagem do papa Francisco para a Argentina, seu país natal, "não tem o caminho bloqueado".
A declaração foi dada por Sergio Rubin, jornalista do Clarín especialista em temas religiosos e sobretudo um dos primeiros biógrafos, juntamente com a jornalista da ANSA Francesca Ambrogetti, de Jorge Mario Bergoglio.
Recentemente, novamente com Ambrogetti, Rubin também escreveu um livro junto com o Papa, "Você não está sozinho. Desafios, respostas, esperanças", e tem uma certa familiaridade com ele.
"É difícil fazer uma previsão", afirmou ele em entrevista à ANSA, no rescaldo da eleição de Milei, o anarcocapitalista já rebatizado de Donald Trump argentino, que não deixou de reservar duros ataques a Francisco durante uma violenta campanha eleitoral.
"Em princípio, pode-se arriscar que, dado que Milei anuncia importantes transformações econômicas que inicialmente terão um impacto social, poderia haver atritos entre a Igreja e o governo. Principalmente com os setores mais progressistas, como os chamados 'cura villeros', os padres fronteiriços dos subúrbios, que já o enfrentaram durante a campanha eleitoral", explicou.
Segundo Rubin, "Milei se define como um 'liberal libertário', muito crítico do Estado, e sabemos que a Doutrina Social da Igreja rejeita o ultraliberalismo e reconhece o Estado como tendo um papel regulador razoável".
Questionado sobre "por que tantas críticas a Francisco", ele responde: "A verdade é que não tenho explicação. Talvez faça parte do caráter imprevisível que Milei tem demonstrado. Em agosto, depois de ter sido o candidato mais votado nas eleições internas e de ter sido criticado pelos 'cura villeros', declarou que as desqualificações e insultos dirigidos ao Papa datavam de há vários anos e que, depois de ter desistido de política, ele havia deixado esse estilo de lado".
No entanto, em uma entrevista posterior, Milei acusou Francisco de "ter afinidade com ditaduras sangrentas", apesar de ter especificado que enviou suas desculpas ao Papa e que havia insistido que, se o pontífice decidisse visitar a Argentina, o receberia com todas as honras de chefe de Estado e chefe da Igreja Católica".
Quando questionado sobre o que acontecerá agora, Rubin responde: "Por enquanto, confio que a Igreja, como tem feito desde a terrível crise de 2000, continuará a promover o diálogo multipartidário e multissetorial na busca de grandes acordos sobre o Estado, destinados a resolver os graves problemas do país, como pobreza generalizada".
"A Igreja Católica tem muitas obras de caridade em todo o país, como milhares de cozinhas comunitárias que continuará a construir. Espero que mesmo quando considerar oportuno, faça declarações públicas oportunas. E espero que os leigos, com vocação política, deem a sua contribuição", acrescentou.
Por fim, perguntado se a eleição de Milei distancia ou aproxima a viagem do Papa à Argentina, visita que até agora nunca aconteceu, o biógrafo enfatizou que, "recentemente, a Conferência Episcopal convidou o Papa", mas "agora tudo o que resta é, de acordo com as disposições do Vaticano, ser formalmente convidado pelo presidente da nação".
"Imagino que Milei o fará em breve. Pessoas próximas de Francisco dizem que a sua viagem para a Argentina não depende de quem será o presidente. Além disso, no ambiente de Milei há figuras que serão fundamentais em seu governo que não querem prejudicar as relações com o Papa, mas sim garantir que sejam pelo menos normais. Assim, em linha com o princípio, a eleição de Milei não deve aproximar nem afastar uma possível viagem do Papa ao seu país", concluiu.
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