Em um auditório lotado, o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fez um discurso nesta quarta-feira (16) na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP27, que está sendo realizada em Sharm el-Sheik, no Egito, e afirmou que "o Brasil está de volta" para debater as questões ambientais.
"Quero dizer para vocês que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo, a combater a fome, a ajudar os países mais pobres, sobretudo na África, aos nossos irmãos latino-americanos, a ter um comércio justo entre as nações, a construir uma ordem mundial pacífica e a uma multilateralidade", afirmou aos presentes.
Lula ainda lembrou que o convite feito a ele antes mesmo de assumir o cargo de presidente "é o reconhecimento de que o mundo tem pressa em ver o Brasil participando novamente nas discussões sobre o futuro do planeta", ressaltando que sabe que o convite não foi pessoal, mas "sim para todo o povo brasileiro".
O ex-presidente de 2003 a 2010 ainda afirmou que a "frase que mais tenho ouvido dos líderes de diferentes países é que 'o mundo sente saudade do Brasil'.
O recém-eleito, que derrotou o atual mandatário, Jair Bolsonaro, lembrou do discurso que fez no dia de sua vitória eleitoral, em 30 de outubro, de que "não há dois Brasis" e o adaptou para o discurso no Egito.
"Não existem dois planetas Terra, somos uma única espécie, chamada humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades entre ricos e pobres. Precisamos de mais empatia uns com os outros. Precisamos construir confiança entre nossos povos. Precisamos nos superar e ir além dos nossos interesses nacionais imediatos, para que sejamos capazes de tecer coletivamente uma nova ordem internacional, que reflita as necessidades do presente e nossas aspirações de futuro", disse.
Em diversos momentos, Lula cobrou os países ricos a ajudarem os mais pobres, que são os mais afetados pelos desastres climáticos, mesmo não sendo os principais poluidores. Citando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o presidente eleito afirmou que o impacto econômico provocado por esses problemas deve ficar na casa dos US$ 2 bilhões a US$ 4 bilhões por ano até 2030.
"Ninguém está a salvo. Os Estados Unidos convivem com tornados cada vez mais frequentes,[...] os países insulares podem desaparecer, o Brasil viveu a pior seca em 90 anos e enfrentamos enchentes enormes. A Europa enfrenta mudanças climáticas extremas, com enchentes e queimadas. A África também sofre com eventos climáticos extremos, mesmo sendo o menor poluidor... Ninguém está a salvo. A emergência climática atinge a todos", pontuou ainda.
Outro ponto destacado por vários momentos é que a "luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a desigualdade e a fome". E criticou o atual governo que, desde 2019, está fazendo o país "piorar" em todos os aspectos.
"Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação dos nossos biomas. Quero aproveitar a Conferência para dizer que o combate às mudanças climáticas terá o mais alto perfil e estrutura no meu próximo governo. Vamos priorizar a luta contra o desmatamento em todos os nossos biomas", disse ainda.
Citando os recentes números recordes de desmatamento na Amazônia, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Lula afirmou que "essa devastação ficará no passado".
"Os crimes ambientais cresceram de forma assustadora nesse governo que está chegando ao fim. Vamos recriar todos os setores de fiscalização e os sistemas de monitoramento que foram destruídos nesses últimos quatro anos. Esses crimes afetam, sobretudo, os povos indígenas", pontuou confirmando que seu governo terá o Ministério dos Povos Originários porque os "próprios indígenas devem indicar políticas que lhes garantam paz e estabilidade".
Comemorando o anúncio da reativação do fundo amazônico por Alemanha e Noruega, Lula ressaltou que o Brasil vai provar "mais uma vez que é possível gerar riqueza sem provocar mudanças climáticas". O mandatário eleito ainda prometeu que o país "jamais vai renunciar" à soberania nacional.
Lula citou as questões do agronegócio e disse que a "produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerado algo do passado". "Tenho certeza que o agronegócio brasileiro será um aliado estratégico na busca de uma agricultura regenerativa e sustentável", falou.
Iniciativas
Durante o discurso, Lula anunciou duas iniciativas que vai propor assim que assumir o cargo em 1º de janeiro de 2023. A primeira delas é a realização da Cúpula dos Países-Membros do Tratado de Cooperação Amazônia, que inclui, além do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
"Para que, pela primeira vez, [possam] discutir de forma soberana a promoção do desenvolvimento integrado da região, com inclusão social e responsabilidade climática", afirmou sendo aplaudido.
A segunda já havia sido antecipada pela imprensa brasileira, que é a de sediar a edição de 2025 da COP, que será o evento de número 30.
"A segunda iniciativa é oferecer o Brasil para sediar a COP30, em 2025. Seremos cada vez mais afirmativos diante do desafio de enfrentar a mudança do clima, alinhados com os compromissos acordados em Paris e orientados pela busca da descarbonização da economia global. Enfatizo ainda que em 2024 o Brasil vai presidir o G20. Estejam certos de que a agenda climática será uma das nossas prioridades".
Nesse momento, Lula saiu do script e disse que sabe que "há muitas cidades" que querem sediar a COP30, mas que trabalhará "pessoalmente para que o evento seja sediado em um estado amazônico". Segundo o presidente eleito, a ideia é "mostrar para quem defende tanto a Amazônia" como ela é na realidade.
Reforma da ONU
Outro assunto abordado foi a reforma no Conselho de Segurança das Nações Unidas e da própria forma de tomada de decisões da ONU.
"A ONU precisa avançar. Não é possível que a ONU seja dirigida sob a mesma ótima de depois da Segunda Guerra Mundial. O mundo mudou, os países mudaram, e não há explicação para que os vencedores guerra sejam os únicos responsáveis pelas decisões. Precisamos ainda acabar com a questão do veto", acrescentou.
Entre as medidas cobradas, está a criação "com urgência" de "mecanismos financeiros para remediar perdas e danos causados em função da mudança do clima".
"Não podemos mais adiar esse debate. Precisamos lidar com a realidade de países que têm a própria integridade física de seus territórios ameaçada, e as condições de sobrevivência de seus habitantes seriamente comprometidas. É tempo de agir. Não temos tempo a perder. Não podemos mais conviver com essa corrida rumo ao abismo", pontuou ainda.
Citando a aprovação durante a COP15 de que, a partir de 2020, os países ricos dariam US$ 100 bilhões por ano aos mais pobres, Lula alertou que não se podem ficar "acumulando papéis nas gavetas" sobre os encontros e nada ser posto em prática. Lula voltou a cobrar que essas nações mais poderosas façam mais para evitar os problemas.
"Precisamos de uma governança global na questão climática. Temos que ter um fórum multilateral que decida sobre o que precisa ser aplicado. É com esse objetivo que estou aqui falando em nome do povo brasileiro. Esperem um Lula muito mais cobrador para que a gente possa fazer um mundo mais justo", pontuou ainda.
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