Querido diário, você e eu nunca nos demos muito bem. Eu sei. As suas páginas permanecem intocadas há quase meio século, mas desta vez gostaria de lhe contar uma experiência que dificilmente poderei esquecer.
Há algum tempo me pediram para embarcar no Amerigo Vespucci, a joia da coroa da Marinha Militar italiana, um veleiro daqueles que hoje só se vê no cinema. Uma proposta que provavelmente teria sido apoiada pelo meu pai, que sempre me criticou por não ter cumprido o serviço militar obrigatório.
Como um novo Ulisses, resolvi aceitar o convite, atraído pelas "sereias" do navio mais lindo do mundo. Pela primeira vez acompanhei a cerimônia de encerramento de uma das etapas da volta ao mundo do Vespucci, a bordo de um prodígio da engenharia naval que, aos 93 anos, ainda consegue navegar com elegância pelos mares de todo o globo.
Em Doha, no Qatar, era eu quem cumprimentava o público no cais, e não o contrário. O comandante dá as últimas ordens, os marinheiros enrolam as linhas, e lá vamos nós, rumo a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.
Já estive dezenas de vezes neste navio e conheço alguns termos de marinheiros, apenas o suficiente para não acabar no mar ou ser repreendido pelos timoneiros, experiência definitivamente não recomendável. Eles representam a essência primordial do marinheiro, alguns estão a bordo há 20 anos. Conhecem cada canto do navio, cada segredo e cada lenda. Para eles, este é o lar.
A partir de agora estamos navegando, e o que mais tento é não atrapalhar. O briefing da navegação está em andamento na ponte, onde se estuda as cartas e se decide a rota a percorrer. O navio sai lentamente do porto, e o som da banda no cais torna-se cada vez mais fraco, quase imperceptível, até desaparecer no barulho das ondas.
Como sempre, perco-me admirando a madeira e o latão que se unem em uma espécie de mistura com sabor antigo. Somente mais tarde percebo que há uma vela aberta acima da minha cabeça. Gigantesca e inchada, soprada pelo vento do Golfo Pérsico. Não é óbvio, mesmo para um veleiro como o Vespucci, poder navegar com o auxílio de velas.
Aproveito para espreitar um pouco ao redor dentro do navio, onde os espaços se tornam cada vez mais estreitos e cada centímetro quadrado tem uma função. Existem refeitórios, vestiários, lavanderia, cozinha e pequenas academias. Não sofro de náuseas, mas a sonolência leva a melhor sobre mim.
O sol já se pôs e os conveses, que sempre vi iluminados para as visitas a bordo, estão com uma cor vermelha pálida que acompanha quem fica acordado durante toda a noite. Aqui o trabalho nunca para. Quando aceitei embarcar, coloquei uma condição: dormir na rede, como fazem os alunos da academia naval durante os três meses de campanha a bordo do navio-escola.
Desço até o terceiro esquadrão, como é chamada a área onde moram os aspirantes a oficiais, e encontro, amarrado entre dois canos até o teto, o que será minha cama nesta noite. Antes, porém, ainda tenho tempo para bater um papo com o capitão que me acompanha na proa diante do cenário mais escuro que já vi. As palavras se confundem com o vento, enquanto os olhos se arregalam na tentativa de superar a escuridão. Não há o que fazer.
Agora, querido diário, deveria descrever em palavras o que senti olhando para o céu. Deveria lhe contar sobre as estrelas que pareciam repousar em minhas mãos. Da respiração quebrada pelo vento. Mas este, meu amigo, é um sentimento que permanece a bordo deste navio, onde o tempo parece suspenso enquanto flutua no mar.
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