O livro "Memorial de Aires", último romance de Machado de Assis, ganhará uma tradução para o italiano, fruto de um programa patrocinado pela Biblioteca Nacional para apoiar a divulgação de autores brasileiros no exterior.
Publicada em 1908, ano da morte do escritor, a obra será traduzida para a língua de Dante Alighieri por Sonia Netto Salomão, professora titular sênior da Sapienza Universidade de Roma e candidata à cadeira 27 da Academia Brasileira de Letras (ABL), instituição fundada por Machado.
"'Memorial de Aires' foi traduzido para o italiano há mais de 60 anos, então é praticamente como se não existisse mais. E toda tradução precisa ser atualizada, porque a língua também envelhece", conta Salomão em entrevista à ANSA.
A professora ganhou uma bolsa de tradução da Biblioteca Nacional, entidade presidida pelo ítalo-brasileiro Marco Lucchesi, em parceria com a editora Queen Kristianka.
Composto em formato de diário, o romance contempla dois anos da vida do diplomata aposentado José da Costa Marcondes Aires -1888 e 1889, anos da abolição da escravatura e da proclamação da República -, enquanto aborda temas como a solidão na velhice e a realidade social do Brasil.
Segundo Salomão, a tradução de "Memorial de Aires" deve ser entregue à editora até julho de 2025, o que fará a Itália ter versões atualizadas de todos os romances da chamada "segunda fase" da obra de Machado, que ainda inclui "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1881), "Quincas Borba" (1891), "Dom Casmurro" (1899) e "Esaú e Jacó" (1904).
O projeto chega em um momento de resgate do trabalho de Machado, tido por muitos como o maior escritor brasileiro e que escalou listas de mais vendidos no Brasil e nos Estados Unidos após uma publicação viral da tiktoker americana Courtney Novak sobre "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
"Isso só vem a comprovar o que os estudiosos dizem há muito tempo: é necessário que haja um trabalho de internacionalização de Machado", diz Salomão, acrescentando que a Itália ainda não conta com pesquisadores especializados na obra do autor.
Para tentar reverter esse cenário, a professora organizou em outubro de 2023, na Sapienza, o primeiro seminário internacional no país dedicado exclusivamente ao escritor brasileiro, que deu origem ao livro "Machado de Assis. A complexidade de um clássico", de autoria da própria Salomão.
Disponível gratuitamente na internet, a obra reúne 32 artigos de pesquisadores do Brasil e de outros países, como Itália, Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos, sobre o autor.
"Esse congresso levou representantes de 25 universidades a Roma e mostrou para a academia italiana a importância do estudo da obra de Machado", afirma Salomão, que se mudou para a Itália em 1990, por motivos familiares, e leciona desde 2002 na Sapienza, onde fundou a primeira cátedra de Língua Portuguesa no país europeu.
Agora ela pretende utilizar a experiência de mais de três décadas de trabalho com a cultura brasileira no exterior para conquistar a cadeira da ABL que pertenceu a Antonio Cicero, compositor, poeta, crítico literário, filósofo e escritor morto em outubro passado.
"Quando me aposentei, foi natural pensar como eu poderia trazer para uma instituição brasileira o que eu aprendi no exterior. Digo isso com muita humildade: não é que eu tenha que ensinar os outros, mas sim enriquecer com um olhar diverso, um olhar de fora", diz a professora, que acredita ter "o perfil da cadeira 27".
A eleição na ABL acontecerá no próximo dia 11 de dezembro.
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