O primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, discursou no Senado nesta quarta-feira (20) e disse que a única saída para ele continuar no governo é "reconstruir o pacto de confiança" que deu origem à coalizão de união nacional que o sustenta.
Draghi foi ao Parlamento quase uma semana depois de o presidente Sergio Mattarella ter rejeitado sua renúncia, apresentada após um dos principais partidos da base aliada, o antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S), ter boicotado a votação de um projeto do governo no Senado.
"É necessário um novo pacto de confiança, sincero e concreto, como aquele que nos permitiu mudar o país para melhor. Os partidos e vocês parlamentares estão prontos a reconstruir esse pacto? Estão prontos a confirmar aquele esforço que vocês fizeram nos primeiros meses e que depois se esvaiu?", disse o premiê.
"Estou aqui hoje apenas porque os italianos pediram. Vocês devem responder a essas perguntas não por mim, mas por todos os italianos", acrescentou.
A crise foi deflagrada na última quinta-feira (14), após o M5S, dono da segunda maior bancada no Parlamento, ter boicotado um voto de confiança no Senado. Naquela ocasião, a moção dizia respeito a um projeto específico, um decreto-lei com ajudas financeiras contra a inflação para famílias e empresas, e não à gestão de Draghi como um todo.
O M5S justificou sua postura com o argumento de que o texto abria caminho para a construção de uma usina de energia de resíduos em Roma, projeto ao qual o partido sempre se opôs por considerá-lo nocivo ao meio ambiente.
"Não votar a confiança a um governo do qual se faz parte é um gesto político claro e que tem um significado evidente. Não é possível ignorar isso, porque equivaleria a ignorar o Parlamento", afirmou o premiê aos senadores, acrescentando que a ruptura aconteceu após "meses de ultimatos".
"A única saída, se ainda quisermos continuar juntos, é reconstruir esse pacto do início, com coragem, altruísmo, credibilidade. Quem pede isso são sobretudo os italianos", destacou Draghi, fortalecido por um manifesto assinado por mais de 2 mil prefeitos e pelo apoio de dezenas de associações da sociedade civil.
Recados
O economista está no poder desde fevereiro de 2021, quando foi convocado por Mattarella para guiar uma coalizão de união nacional e evitar a realização de eleições antecipadas em plena pandemia.
Draghi formou um governo que vai da esquerda à extrema direita e tinha como principais objetivos acelerar a campanha de vacinação contra a Covid-19 e preparar o plano da Itália para utilização dos quase 200 bilhões de euros previstos pelo fundo da União Europeia para impulsionar a economia do bloco.
Nos últimos meses, também se tornou uma das vozes mais duras na UE contra o regime de Vladimir Putin e a invasão da Rússia à Ucrânia. "A condenação das atrocidades russas e o pleno apoio à Ucrânia mostraram como a Itália pode e deve ter um papel de liderança na União Europeia e no G7", declarou o premiê.
No entanto, Draghi destacou que, com o passar dos meses, as forças políticas mostraram um "crescente desejo de divisão", movimento que ganha força conforme se aproxima o fim da atual legislatura, previsto para o primeiro semestre de 2023.
Esse trecho do discurso foi um claro recado ao M5S, mas também ao partido de ultradireita Liga, de Matteo Salvini, que vem cobrando o governo a aumentar seu endividamento, que já é o segundo maior na UE, para socorrer famílias contra a inflação. Além disso, as duas legendas são contra o envio de mais armas à Ucrânia.
"Assistimos a tentativas de enfraquecer o apoio do governo à Ucrânia, de enfraquecer nossa oposição ao projeto do presidente Putin. Os pedidos por novos endividamentos se fizeram cada vez mais fortes, justamente quando era maior a necessidade de prestar atenção na sustentabilidade da dívida. O desejo de seguir em frente juntos se exauriu progressivamente e, com isso, também a capacidade de agir com eficácia, com tempestividade, no interesse do país", disse.
Ao mesmo tempo, Draghi acenou ao M5S ao defender projetos caros ao partido, como a renda de cidadania, espécie de bolsa família da Itália, e a introdução do salário mínimo. "Está em vias de aprovação em nível europeu uma diretiva sobre salário mínimo, e é nessa direção que devemos nos mover, assegurando níveis salariais dignos às faixas de trabalhadores que mais sofrem. A renda de cidadania é uma medida importante para reduzir a pobreza, mas pode ser melhorada para favorecer quem mais precisa e reduzir os efeitos negativos no mercado de trabalho", salientou.
Ao fim do discurso, Draghi foi aplaudido por parte dos senadores, mas não por aqueles do M5S e da Liga, que, formalmente, fazem parte do governo. Os dois partidos ainda não deixaram claro se darão seu voto de confiança ao premiê, embora corram o risco de ser penalizados nas urnas no caso de eleições antecipadas.
Vencedor do pleito de 2018 com cerca de 32% dos votos, o M5S aparece hoje com pouco mais de 10% nas pesquisas, enquanto a Liga, soberana no campo conservador nos últimos quatro anos, pode perder essa primazia para a sigla de ultradireita Irmãos da Itália (FdI), única grande força de oposição a Draghi no Parlamento.
"Draghi vem ao Parlamento e quer plenos poderes, argumentando que esse é um pedido dos italianos. Mas, em uma democracia, a vontade popular se expressa apenas com o voto. São as autocracias que reivindicam representar o povo sem necessidade de fazer os cidadãos votarem, não as democracias ocidentais. Os italianos devem decidir seu próprio futuro, e não esse Parlamento deslegitimado e amedrontado. Eleições imediatas", disse a líder do FdI, Giorgia Meloni.
Se M5S e Liga decidirem sair da aliança, é provável que o premiê nem precise passar por um voto de confiança e entregue uma nova renúncia a Mattarella, que poderia dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas para setembro ou outubro.
Se conseguir reagrupar sua base e sobreviver ao voto de confiança no Senado, Draghi ainda terá de se apresentar na Câmara nesta quinta-feira (21) para obter o apoio dos deputados. (ANSA)
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