O primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, obteve a confiança do Senado nesta quarta-feira (20) com apenas 95 votos a favor, pavimentando o caminho para sua segunda renúncia em uma semana.
Apenas 133 dos 321 senadores participaram da sessão, que foi boicotada por três importantes partidos da base aliada: o antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S), que já havia feito algo similar na semana passada, a Liga, de extrema direita, e o Força Itália (FI), de centro-direita.
Após a divulgação do resultado, fontes do governo informaram que Draghi deve ir ao presidente Sergio Mattarella nesta quinta-feira (21), provavelmente para entregar sua renúncia.
Apesar de Draghi ter obtido o voto de confiança no Senado, o resultado sacramentou o fim de sua coalizão de união nacional e o derretimento de seu apoio parlamentar - em fevereiro de 2021, ele havia angariado os votos de 262 senadores.
A expectativa dos partidos é de que Mattarella dissolva o Parlamento e convoque eleições antecipadas para este ano - o fim natural da atual legislatura seria em março de 2023.
Draghi já havia tentado renunciar na última quinta (14), após o M5S ter boicotado a votação da moção de confiança a um projeto do governo no Senado.
Naquela ocasião, o presidente rejeitou a renúncia e pediu que o premiê voltasse ao Parlamento para verificar se seria possível continuar governando.
Em discurso no Senado nesta quarta, Draghi defendeu sua gestão, elencou prioridades para o futuro e pediu a reconstrução do "pacto de confiança" que possibilitara o nascimento de seu governo, mas não foi suficiente.
O primeiro-ministro optou por submeter ao voto de confiança uma resolução do senador de centro Pier Ferdinando Casini, que dizia apenas que a Câmara Alta aprovava seu discurso, porém a maior parte da base governista decidiu não participar da sessão.
A Liga, de Matteo Salvini, e o FI, de Silvio Berlusconi, queriam um sinal claro de ruptura em relação ao M5S. Já o movimento antissistema acusou Draghi de colocar-se abertamente contra o partido, cuja posição deixou apenas a centro-esquerda e pequenas legendas de centro ao lado do governo.
"Nesses dias de loucura, o Parlamento decide ir contra a Itália. Colocamos todo o empenho possível para evitar isso e apoiar o governo Draghi. Os italianos demonstrarão nas urnas que são mais sábios que seus representantes", disse o ex-premiê Enrico Letta, líder do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda.
"A política fracassou. Diante de uma emergência, a resposta foi aquela de não saber assumir a responsabilidade de governar. Brincaram com o futuro dos italianos. Os efeitos dessa escolha vão ficar na história", reforçou o ministro das Relações Exteriores, Luigi Di Maio, dissidente do M5S.
Discurso
Horas antes, Draghi havia feito um longo discurso no Senado para tentar reagrupar sua base, mas não poupou críticas - embora indiretas - ao M5S e à Liga, insinuando que os dois partidos tentaram desestabilizar o governo.
O premiê destacou que, com o passar dos meses, forças políticas mostraram um "crescente desejo de divisão", movimento que ganhou força com a aproximação das eleições.
"Assistimos a tentativas de enfraquecer o apoio do governo à Ucrânia, de enfraquecer nossa oposição ao projeto do presidente Putin. Os pedidos por novos endividamentos se fizeram cada vez mais fortes, justamente quando era maior a necessidade de prestar atenção na sustentabilidade da dívida. O desejo de seguir em frente juntos se exauriu progressivamente e, com isso, também a capacidade de agir com eficácia, com tempestividade, no interesse do país", disse.
Esse trecho foi um claro recado ao M5S e à Liga, que vinham cobrando o governo a aumentar seu endividamento para socorrer famílias contra a inflação. Além disso, as duas legendas são contra o envio de mais armas à Ucrânia.
União nacional
Ex-presidente do Banco Central Europeu, Draghi chegou ao poder em fevereiro de 2021, quando foi convocado por Mattarella para guiar uma ampla coalizão e evitar a realização de eleições antecipadas em plena pandemia.
Sem experiência prévia na política, o economista tinha como principais objetivos acelerar a campanha de vacinação contra a Covid-19 e preparar o Plano Nacional de Retomada e Resiliência (PNRR), projeto para utilizar os quase 200 bilhões de euros destinados à Itália pelo fundo da União Europeia para o pós-pandemia.
Essas duas metas foram alcançadas, mas esperava-se que Draghi governasse até o fim da atual legislatura, no primeiro semestre de 2023, conferindo estabilidade à Itália em um momento de profunda tensão econômica e geopolítica.
O primeiro-ministro não pertence a nenhum partido e nunca revelou interesse em disputar cargos públicos, e não se sabe que papel ele poderia exercer nas próximas eleições.
Próximos passos
A Constituição da Itália determina que as eleições legislativas devem ocorrer até 70 dias depois da dissolução do Parlamento, período que pode coincidir com o fim de setembro e o início de outubro, caso Mattarella encerre a legislatura ainda neste mês.
Neste caso, um novo governo tomaria posse, na melhor das hipóteses, entre o fim de outubro e o início de novembro, quando a Lei Orçamentária de 2023 já precisa estar protocolada no Parlamento - a Itália nunca realizou eleições legislativas no segundo semestre durante a era republicana.
Existe ainda a hipótese de nenhum campo político obter maioria clara, o que pode fazer as negociações se estenderem e deixar o país sem um governo com plenos poderes - em 2018, foram necessários três meses para empossar Giuseppe Conte como premiê.
Dessa forma, a Itália arriscaria iniciar o próximo ano sem um orçamento e ficaria enfraquecida no cenário internacional, hoje tomado pelos efeitos da invasão russa à Ucrânia, como a disparada dos preços dos combustíveis e da energia elétrica e a perspectiva de uma crise alimentar global.
Além disso, a crise política coloca em risco os repasses da UE para o PNRR, que prevê 222,1 bilhões de euros em investimentos até 2026 para impulsionar a economia, sendo 191,5 bilhões em fundos europeus.
O governo já cumpriu metas referentes a 45 iniciativas, etapa necessária para receber uma parcela de 24 bilhões de euros da União Europeia. No entanto, o país terá de apresentar resultados em mais 55 projetos até o fim do ano para embolsar uma nova prestação, algo que só será possível com um Executivo funcional. (ANSA)
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