O presidente da Itália, Sergio Mattarella, 80, foi reeleito neste sábado (29) para mais sete anos de mandato.
O atual chefe de Estado recebeu 759 dos 1.009 votos no colégio eleitoral, que é formado por 630 deputados, 321 senadores e 58 delegados regionais. Quando foi superada a maioria simples de 505 votos, a apuração foi interrompida por quatro minutos de aplausos dos parlamentares presentes na Câmara.
O resultado deste sábado superou inclusive a votação obtida por Mattarella em 2015 (665), o que evidencia a grande popularidade alcançada pelo presidente em seus sete anos de mandato.
Essa também é a segunda votação mais expressiva já alcançada por um candidato em eleições presidenciais na Itália, atrás apenas de Sandro Pertini, eleito com 832 votos em 1978.
A vitória de Mattarella coloca fim a uma semana de impasse nas negociações entre os partidos para chegar a um nome de consenso, mas também expõe as divisões dentro do Parlamento e do governo do premiê Mario Draghi.
Reeleito apenas na oitava votação, o presidente havia dado vários sinais de que não queria continuar no cargo e tinha até alugado um apartamento em Roma para quando deixasse o Palácio do Quirinale.
Mattarella, no entanto, foi o único nome capaz de angariar o apoio de todos os partidos do governo de união nacional encabeçado por Draghi, uma coalizão heterogênea que vai da esquerda à extrema direita.
"Os dias difíceis transcorridos para a eleição à Presidência da República, em meio à grave emergência que ainda estamos atravessando no âmbito sanitário, econômico e social, exigem senso de responsabilidade e de respeito às decisões do Parlamento", disse o mandatário em discurso de cerca de um minuto no Quirinale.
"Essas condições impõem de não fugir aos deveres aos quais se é chamado e, naturalmente, devem prevalecer sobre outras considerações e perspectivas pessoais diferentes, com o compromisso de interpretar as expectativas e esperanças de nossos cidadãos", acrescentou.
la dichiarazione del Presidente #Mattarella dopo la comunicazione dell'esito della votazione da parte dei Presidenti di Senato e Camera pic.twitter.com/vKIn3sVMr6
— Quirinale (@Quirinale) January 29, 2022
O presidente desfruta de ampla simpatia na sociedade e na política, apoio que já havia ficado claro em suas votações anteriores no Parlamento: ele teve 336 votos no sexto escrutínio e 387 no sétimo, mesmo com os partidos recomendando a abstenção.
Em 75 anos de República na Itália, apenas um chefe de Estado havia sido reeleito, justamente o antecessor de Mattarella, Giorgio Napolitano, que ganhou seu segundo mandato em 2013 e renunciou cerca de 20 meses depois.
Tentativas fracassadas
O acordo deste sábado foi precipitado pela tentativa da direita de impulsionar a presidente do Senado, Elisabetta Casellati, indicada na última sexta-feira pelo moderado Força Itália (FI), de Silvio Berlusconi, e pelos ultranacionalistas Liga, de Matteo Salvini, e Irmãos da Itália (FdI), de Giorgia Meloni.
No entanto, Casellati obteve apenas 382 votos no quinto escrutínio, muito aquém dos cerca de 460 que a direita deveria ter no Parlamento. Após esse resultado, FI e Liga, que fazem parte do governo Draghi, voltaram a negociar com os outros partidos da situação, deixando Meloni de lado.
"Salvini propôs pedir para Mattarella fazer um novo mandato como presidente da República. Não quero acreditar nisso", declarou a deputada de extrema direita ainda antes da votação definitiva - o Irmãos da Itália é o único grande partido de oposição ao governo Draghi.
"A direita parlamentar não existe mais, é preciso recriá-la do zero, por respeito às pessoas que querem mudar", afirmou Meloni, acrescentando que vai batalhar em defesa de eleições diretas para presidente da República.
Também houve tentativas de se chegar a um acordo para eleger o senador de centro Pier Ferdinando Casini, a chefe dos serviços secretos, Elisabetta Belloni, ou a ministra da Justiça, Marta Cartabia, mas todos enfrentaram resistência em um ou mais partidos da base aliada.
A Itália nunca teve uma mulher como presidente da República ou premiê.
Funções
Apesar de ter um papel mais institucional do que político, o presidente está longe de ser uma figura meramente cerimonial e tem poder para influenciar os rumos do país, nomeando premiês, barrando indicações de ministros e até cobrando a aprovação de leis do interesse da nação.
O próprio Mattarella é exemplo da importância que um chefe de Estado pode ganhar em momentos delicados.
Em 2018, os partidos populistas Movimento 5 Estrelas e Liga saíram vencedores das eleições e tentaram indicar um professor abertamente antieuro, Paolo Savona, como ministro da Economia, mas o presidente, um defensor da integração europeia, se negou a empossá-lo para não alimentar o euroceticismo na Itália.
O mandatário chegou a ser ameaçado de impeachment e acusado de "alta traição", mas não recuou e conseguiu fazer M5S e Liga indicarem outro ministro - os dois partidos votaram por sua reeleição neste sábado.
Já no início de 2021, após a queda de Giuseppe Conte, o mandatário convocou o ex-presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi para formar um governo e colocar fim a uma crise política que ameaçava levar o país a eleições antecipadas.
Com o apoio de Mattarella, Draghi conseguiu costurar uma coalizão de união nacional e chegou a ser cotado para substituir o atual presidente, mas viu suas chances destruídas pela dificuldade de se encontrar um novo primeiro-ministro para governar até o fim da legislatura, em 2023.
"A reeleição de Sergio Mattarella à Presidência da República é uma esplêndida notícia para os italianos. Sou grato ao presidente pela sua escolha de aceitar a fortíssima vontade do Parlamento de reelegê-lo para um segundo mandato", disse Draghi por meio de um comunicado.
Perfil
Mattarella nasceu em Palermo, é viúvo e tem três filhos: Laura, Francesco e Bernardo Giorgio, sendo que a primeira costuma acompanhar o pai em compromissos públicos.
Antigo expoente da extinta Democracia Cristã, o chefe de Estado já foi deputado por 25 anos e ministro das Relações com o Parlamento (1987-1989), da Educação (1989-1990) e da Defesa (1999-2001).
Além disso, foi vice-presidente do Conselho dos Ministros entre 1998 e 1999. Sua última legenda política foi o Partido Democrático (PD), maior força de centro-esquerda na Itália e do qual saiu em 2009.
Dois anos depois, foi nomeado juiz da Corte Constitucional, onde ficaria até o início de 2015, quando se tornou o primeiro siciliano eleito presidente da República.
O irmão mais velho de Mattarella, Piersanti, foi assassinado pela Cosa Nostra em 1980, quando era governador da Sicília, por ter contrariado interesses da máfia, crime que levou o jurista para a carreira política. (ANSA)
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